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O que o caso Marcos Valério conta sobre a mídia brasileira, por Paulo Nogueira

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Paulo Nogueira* – Na condição de jornalista independente e apartidário, pronto a
reconhecer méritos e defeitos de FHC ou de Lula ou de quem mais for, não
posso deixar de comentar o episódio Marcos Valério e Lula. Minha
experiência em redação pode eventualmente ajudar o leitor a entender
melhor o que vê publicado.
Na essência, este caso explica uma coisa: por que o poder de
influência da grande imprensa se esvaiu tanto nos últimos anos.

Note:
não faz tanto tempo assim, Roberto Marinho era tido como a pessoa mais
poderosa do país, capaz de eleger ou não quem quisesse. Sucessivos
presidentes machucavam as costas para se curvar a Roberto Marinho e
obter seu apoio, tido como fundamental.

Pela terceira vez seguida, a Globo não foi capaz de eleger seu
preferido para a eleição presidencial. Todo o empenho de jornalistas em
postos importantes da casa – de Kamel a Merval, de Noblat a Míriam
Leitão, de Bonner a Waack, isso para não falar de colunistas como Jabor e
entrevistados frequentes como Demétrio Magnoli – foi insuficiente para
convencer os eleitores a votarem como a Globo desejava que votassem.
Isso é um dado importante e objetivo: esforço não faltou. Faltou foi
poder de persuasão. Faltou foi influência. Faltou foi um conjunto de
argumentos que fizessem sentido. Não apenas para a Globo, evidentemente,
mas para a grande imprensa como um todo.

Donos e editores já deveriam há muito tempo ter parado para tentar
entender por que sua voz não está sendo ouvida. Você pode fingir que o
problema está neles, nos eleitores. Ou pode enfrentar os fatos
corajosamente e ver que correções deve fazer em sua trajetória. Alguém
já disse e repito aqui: maus editores fazem mais estragos para a
imprensa estabelecida do que a internet.

E então chegamos a Marcos Valério. A notícia que parece incendiar os comentaristas políticos é a seguinte: Marcos Valério afirma que Lula era o chefe do mensalão. Mais precisamente: Marcos Valério teria afirmado.

Foi capa da Veja. Segundo Noblat, a Veja gravou uma fita com a acusação de Marcos Valério.

Vamos considerar o cenário mais favorável a quem é contra Lula: Marcos Valério de fato falou, e a fita existe.

Ainda assim: uma acusação de Marcos Valério tem valor de prova para
que se publique e se repercuta com tanto calor? É legítimo publicar o
que quer que Marcos Valério diga – sem evidências que as sustentem? Se
as há, se existe algo além da palavra duvidosa ainda que gravada de
Marcos Valério, retiro tudo o que disse acima sobre o episódio. (Leio
agora que a revista decidiu não publicar a suposta fita.)

Em países em que a sociedade é mais avançada, você precisa de muito
mais do que as palavras de alguém para publicar acusações graves – ou
terá que enfrentar a Justiça. Foi o caso célebre de Paulo Francis.
Francis teve o azar de chamar diretores da Petrobras de corruptos em
solo americano. Os acusados puderam processá-lo na Justiça americana.
Onde as provas? Os amigos dizem que Francis morreu por conta do desgaste
emocional deste caso, e acredito. Se o processo corresse na Justiça
brasileira, não daria em nada, evidentemente.

Um dia o jornalismo brasileiro terá também que fazer uma autocrítica
em relação ao caso Collor. Não que se tratasse de um caçador de marajás.
Mas o que mais pesou em sua queda foram palavras – a famosa entrevista
de Pedro Collor. Estava certo publicar o que Pedro Collor afirmara como
se fosse verdade indiscutível?

Na época, quando conversava com outros jornalistas sobre a capa de
Pedro Collor, a pergunta que eu fazia era a seguinte: imagine que o
irmão do presidente americano bate na redação do New York Times e conta
histórias horríveis. O Times publicaria?

O público não deve entender como alguém que segundo Pedro Collor
cometeu tantos crimes acabou sendo absolvido pelo Supremo Tribunal
Federal e está aí, militando na política. Não havia provas, segundo o
STF. Mas então qual a sustentação da entrevista de Pedro Collor?
Palavras? É pouco.
No presente caso, pelo pouco que li, vi a velha cena tão comum nos
últimos dez anos. Uma acusação – ainda que partida de Marcos Valério,
ainda que sem provas — vai tomando ares de extrema gravidade na grande
imprensa. Alguém dá, e depois vem a repercussão previsível. Leio que
Merval chegou a falar em cadeia.

O público não me parece tão convencido assim da importância do
assunto. Observei que no site da Folha e do Estado o tema não é sequer o
mais lido do dia. Ocupava, quando verifiquei, uma modesta quinta
posição. Russomano – já nem lembro por que – despertava muito mais
interesse no leitor.
O leitor não é bobo. Mas a mídia estabelecida o trata como se fosse, e
sua perda de influência deriva, em grande parte, desse erro de
avaliação.  Nos dezesseis anos que compreendem as gestões de FHC e Lula,
o Brasil avançou consideravelmente. A grande imprensa, infelizmente,
não conseguiu acompanhar este avanço.
*Paulo Nogueira é jornalista e está vivendo em Londres. Foi editor
assistente da Veja, editor da Veja São Paulo, diretor de redação da
Exame, diretor superintendente de uma unidade de negócios da Editora
Abril e diretor editorial da Editora Globo.

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