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Conversões

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Por Luís Fernando Veríssimo – 
“Para repudiar o que era, o ex-esquerdista precisa arrasar o que era. Como está também arrasando o seu passado, a sua juventude e o tempo que perdeu em coisas como igualdade, solidariedade e a redenção da humanidade (…)

Conversões 

Ninguém é mais direitista do que um ex-esquerdista. Talvez porque a desilusão
com as promessas nunca realizadas da esquerda se misture com a necessidade do
novo direitista de exorcizar seu passado, de se autopunir pela sua ingenuidade.

Para repudiar o que era, o ex-esquerdista precisa arrasar o que era. Como está
também arrasando o seu passado, a sua juventude e o tempo que perdeu acreditando
em coisas como igualdade, solidariedade e a redenção da humanidade, não admira
que sua crítica à esquerda seja tão ácida. Está lamentando a si mesmo, o que só
aumenta sua raiva.

O adágio, tão repetido, segundo o qual quem não é de esquerda até uma certa
idade não tem coração e quem não é de direita depois não tem cérebro, equipara a
migração da esquerda para a direita como uma conquista da sabedoria.

Idealismo, crença em justiça social etc. seriam coisas que iríamos largando pelo
caminho rumo à maturidade, junto com outras baboseiras juvenis. Não se tem
notícia de uma migração ao contrário, de direitistas que voltam a ser
esquerdistas, até como uma forma de recuperar a juventude.

E esquerdistas que continuam esquerdistas apesar de já terem idade para se darem
conta do engano são alvos prioritários do escárnio dos convertidos. Ainda têm
coração, os inocentes.

Os neoconservadores que levaram a política externa americana a sucessivos
desastres nos últimos anos têm este nome porque muitos deles foram trotskistas
na juventude. Abandonaram o internacionalismo trotskista e inauguraram o
ultranacionalismo do “século americano”, e continuam influentes, mesmo sob o
governo do Obama.

Os ex-trotskistas odeiam o que foram um dia, e seu conservadorismo ativo é uma
forma de expiação. Caso notório de conversão foi a do escritor John dos Passos,
ex-comunista e autor de alguns livros memoráveis de crítica social, que acabou
seus dias quase como uma caricatura de direitista americano, com bandeira na
frente da casa e tudo.

Para quem ainda se considera de esquerda, apesar das desilusões e de um coração
combalido, o rancor dos convertidos tem seu lado positivo. Mostra que a esquerda
ainda existe, logo chateia. Ou chateia, logo existe.
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Nota do Guara: Esta crônica foi publicada neste Domingo (21), em vários jornais de grande circulação, e muita repercutida na blogosfera. Houve quem achasse que, “sem querer querendo”, o escritor enquadrou um caso notório de conversão tupiniquim: Arnaldo Jabor, direitista ressentido, rancoroso, raivoso, sem idealismo e sem “coração”. 
Posso afirmar, recolhido a minha nobre insignificância, porém, de livre e sã consciência, que mantenho contato com vários casos a que se refere o grande escritor Luís Fernando Veríssimo. 
Uma grande semana de progresso e paz para todos, esquerdistas e direitistas
Imagem: reprodução/internet

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