
Os filmes sobre zumbis povoam as telas dos cinemas. Desde o primeiro filme estrelado por Bela Lugosi em 1932 (White Zombie), numa época onde os negros eram atores brancos pintados, até as superproduções hollywoodianas da atualidade, com orçamentos que extrapolam os US$ 200 milhões (Guerra Mundial Z, 2014) os zumbis ocupam um espaço de destaque no imaginário do terror.
Os zumbis são um recurso (interessante) para realizarmos a crítica ao mundo que nos cerca. Da paranoia anticomunista do macarthismo estadunidense à crítica ao individualismo consumista dos nossos dias, os zumbis funcionam como um arremedo de nós mesmos, premidos por modelos de sociedade incapazes de estimular a solidariedade e um mundo além do próprio umbigo.
Alguns desses filmes produzem reflexões, intencionais ou não, que nos obrigam a olhar a realidade de outra forma. Desde o clássico como a Noite dos Mortos-Vivos (“The Night of the Living Dead”, 1968) de George Romero, passando pela crítica política e social de Wes Craves em A Maldição dos Mortos-Vivos (“The Serpent and the Rainbow” [1], 1988) ou pelo excelente humor de Todo Mundo Quase Morto (“Shaun of the dead”, 2004) os zumbis servem para uma reflexão tenebrosa, divertida e apurada da realidade, com todos os exageros possíveis.
As histórias são conhecidas e, depois de alguma tensão e muitos sustos, as sequências se repetem: hordas de mortos-vivos cambaleantes, cinzentos e com partes do corpo faltando, andam insaciáveis em busca de sangue. Normalmente ninguém sabe como começou, mas eles estão por toda a parte e são assustadores. Seu vizinho simpático, irmão, namorada, mãe, o melhor amigo, o padre ou o pastor sempre viram zumbis. O policial da cidadezinha, a vizinha sexy, o caixa do banco etc. todos eles transformam-se e querem arrancar um pedaço seu.
Estão mortos e são atraídos pelo sangue dos vivos. Movimentam-se com dificuldade, quase como bêbados, e são determinados a conquistar seu objetivo, embora a realização dele não implique na diminuição da intensidade dos ataques, nem na saciedade da fome.
Nos filmes, os vivos se escondem e não podem se movimentar com rapidez para não chamar a atenção. Buscam outros vivos e com eles estabelecem estratégias de sobrevivência. Muitos não conseguem sobreviver, mas a busca pela liberdade e pela vida estabelece o fio condutor de todos eles.
Ainda que ninguém tenha explicado isso convincentemente, os zumbis morrem depois de serem atingidos na cabeça. Um tiro, uma flechada, um taco de baseball ou qualquer outra coisa que atinja o cérebro é o único meio de detê-los. Assim, o objetivo é destruir os corpos já destruídos a partir do cérebro, embora os zumbis não demonstrem muita intenção de utilizá-los.
Podemos dizer que, apesar da bizarrice intrínseca, a analogia com o Brasil dos dias de hoje é evidente. Com a saída da direita reacionária do armário nos últimos anos, as hordas de zumbis das telas encontraram companhia nas ruas.
Nossos zumbis reais cambaleiam errantes em busca de sangue. Tudo o que é vermelho e lembra sangue os mobiliza. Eles vagueiam por aí procurando o sangue dos vivos para se alimentar. O diálogo é impossível, como nos filmes – afinal são espécies diferentes e uma se alimenta da outra. São insaciáveis, pois não basta atacar um e destruí-lo é necessária a destruição total.
Assim como os zumbis, nossas hordas de direitistas empedernidos não podem ouvir o movimento dos vivos para bradar pelo seu fim. Nem sempre usam de violência, mas a idolatram como forma de vida. O tratamento dispensado aos que são diferentes: mulheres, negros, pobres, homossexuais, indígenas ou que pensam fora de seu padrão é sempre baseado na violência, seja ela física, verbal ou legal.
Os ataques são sofisticados, utilizam seus porta-vozes na mídia, muitos dos quais nem precisariam de máscaras para interpretar zumbis no cinema. Procuram mudar as leis, impor padrões, cercear a liberdade de expressão, mas sempre em nome da democracia e da civilidade.

Procuram transformar os que os criticam em criminosos. Usam seus monopólios para estimular os preconceitos e ganhar mais seguidores. Caminham errantes em busca da próxima vítima. Alguns vivos se deixam enganar e, mais cedo ou mais tarde, como nos filmes são devorados e viram exemplos que não se deve confiar em quem se alimenta de seu sangue.
Mas, como nos filmes, os vivos buscam proteger-se uns aos outros. Esse talvez seja um dos maiores desafios políticos e sociais do presente: reconhecer os vivos e ganhar força para enfrentar as hordas de zumbis que nada, além do sangue dos vivos, têm a oferecer. Ganhar força significa discutir alternativas, preservar a vida, estabelecer objetivos de curto e médio prazo, analisar cuidadosamente a situação, superar as divergências, organizar as forças, não dispersar os recursos, estudar os momentos certos de ataque e ter em mente que o ponto fraco do adversário é o cérebro.
Destruir o cérebro exige argumentos que sejam eficazes, capazes de convencer os indecisos, imobilizar o adversário, demonstrar a justeza da crítica aos mecanismos baseados na violência e na destruição do adversário. Restabelecer a iniciativa desse tipo de ataque exige humildade para reconhecer a fraqueza de alguns argumentos e de algumas práticas que criaram confusão, ao mesmo tempo em que impõe o desafio de superar os limites impostos pelas práticas dominantes no interior das estruturas do Estado.
Os desafios são imensos, mas como em qualquer bom filme de zumbi é necessário encará-los e ir até o final. Se o roteiro será bom ou não, depende de diversos fatores, mas a disposição e a inteligência na hora de enfrentar os desafios é fundamental.
O que não podemos esquecer é que os zumbis de Hollywood dançaramThriller do Michael Jackson, enquanto os nossos dançam ao som de Fábio Jr. e Lobão, talvez isso nos dê alguma vantagem.”
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Guaraci Celso Primo é do Paraná, Sul do Brasil.
Bacharel em Administração. Ex-servidor da Previdência e ex-Banco do Brasil.
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