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Prática de jornalismo tendencioso vem de muito longe

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Um artigo escrito com exclusividade para o site 247 do jornalista e
escritor, Fernando Morais, autor de vários livros, entre eles “Chatô, o
rei do Brasil, biografia do famoso jornalista Assis Chateaubriand,
ganhou enorme repercussão na Blogosfera. Foi re-publicado em diversos
blogs no decorrer desta semana. O texto nos remete à uma séria refflexão
sobre o modus operandi da imprensa em geral, que no afã de
manter a popularidade e ganhar muito dinheiro, acaba produzindo
factóides (para usar uma expressão da moda na mídia), sem compromisso
algum com a verdade.

Sequer preocupação com a qualidade da informação.Diria até que assumindo papel de partido político,
ou quando muito, trabalhando a favor de uma legenda partidária da qual
possa obter algum favorecimento. Em muitos casos, assumindo postura de autoridade política ou eclisiástica legalmente constituída.
Só depois de escandalizar o grande
público e causar um tremendo estrago, descobre-se adiante que a matéria
produzida e publicada, não passava de um embuste. Transferindo para o personagem central que teve sua moral
detonada, o ônus da prova de algum suposto delito praticado, criminosamente lhe atribuído.
Há um batalhão de cronistas e articulistas, ganhando certamente uma fortuna, a prestar esse tipo de trabalho em importantes orgãos de comunicação do país.  

Quer um pequeno exemplo? Veja esta notícia vinculada no Site Terra, sobre
uma nota publicada em uma “conceituada” revista semanal. Trata de uma
doação de campanha a um candidato a prefeito da cidade de Salvador-BA. A
nota publicada foi parar na justiça. Na decisão, a juíza Maria de
Lourdes Oliveira Araújo, da 5ª Zona Eleitoral da capital baiana, afirmou
na sentença que a nota “se aproxima de uma disfarçada
propaganda, na medida em que ultrapassa os limites de informação
imparcial ou de mera crítica, tanto por afirmar que não prova, como por
passar um recado subliminar sobre qual candidato reputa melhor”. A
decisão determina que a revista terá que publicar o direito de resposta
do candidato. (via)

Essa prática predadora, inconsequente e tendenciosa do jornalismo brasileiro, vem de muito longe. É o que podemos constatar neste artigo de Fernando Morais. Tema que já vinculamos por aqui.

Confira a íntegra do artigo.

Um espectro ronda o jornalismo: Chatô

Por Fernando Morais

As agressões e infâmias dirigidas por alguns jornais, revistas, blogs
e telejornais ao ex-presidente Lula e ao ex-ministro José Dirceu me
fazem lembrar um episódio ocorrido em Belo Horizonte em meados do século
passado.
Todas as sextas-feiras o grande cronista Rubem Braga
assinava uma coluna no jornal “Estado de Minas”, o principal órgão dos
Diários Associados em Minas Gerais. Irreverente e anticlerical, certa
vez Braga escreveu uma crônica considerada desrespeitosa à figura de
Nossa Senhora de Lourdes, padroeira de Belo Horizonte. Herege, em si,
aos olhos da conservadora sociedade mineira o artigo adquiriu tons ainda
mais explosivos pela casualidade de ter sido publicado numa Sexta-Feira
da Paixão.
Indignado, o arcebispo metropolitano Dom Antonio dos
Santos Cabral redigiu uma dura homilia recomendando aos mineiros que
deixassem de assinar, comprar e sobretudo de ler o “Estado de Minas”.
Dois dias depois o documento foi lido na missa de domingo de todas as
quinhentas e tantas paróquias de Minas Gerais.
O míssil disparado pelo religioso jogou no chão a
vendagem daquele que era, até então, o mais prestigioso jornal do
Estado. E logo repercutiu no Rio de Janeiro. Mais precisamente na mesa
do pequenino paraibano Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados,
um império com rádios e jornais espalhados por todos os cantos do
Brasil.
Célebre pela fama de jamais engolir desaforos, o colérico
Chateaubriand telefonou para Geraldo Teixeira da Costa, diretor do
“Estado de Minas”, com uma ordem expressa, repleta de exclamações:
– Seu Gegê! Quero uma reportagem de página inteira
contando que quando jovem Dom Cabral estuprou a própria irmã! O senhor
tem uma semana para publicar isso!
Tamanha barbaridade não passaria pela cabeça de quem quer
que conhecesse o austero Dom Cabral, cujas virtudes haviam levado o
Papa Pio XI a agraciá-lo com o título de Conde. Mas ordens eram ordens.
Os dias se passavam e a reportagem não aparecia no
jornal. Duas semanas depois do ultimato, um Chateaubriand possuído pelo
demônio ligou de novo para Belo Horizonte:
– Seu Gegê! Seu Gegê! O senhor esqueceu quem é que manda
nesta merda de jornal? O senhor esqueceu quem é que paga seu salario,
seu Gegê? Cadê a reportagem sobre o estupro incestuoso cometido por Dom
Cabral?
Do outro lado da linha, um pálido e tremebundo Gegê gaguejou:
– Doutor Assis, temos um problema. Descobrimos que Dom Cabral é filho único, não tem e nunca teve irmãs…
Sapateando sobre o tapete, Chateaubriand parecia tomado por um surto nervoso:
TEMOS um problema? Seu Gegê, nós não temos problema algum! Isso é um problema de Dom Cabral! Publique a reportagem! Cabe A ELE provar que não tem irmãs, entendeu, seu Gegê? Vou repetir, seu Gegê: cabe A ELE provar que não tem irmãs!!
Passadas oito décadas, suspeito que Chatô exumou-se do Cemitério do
Araçá e, de peixeira na cinta, encarnou nos blogueiros limpos e nos
editores dos principais jornais e revistas brasileiros.

Como no caso de Dom Cabral, cabe a Lula provar que não marchou com a
família e com Deus, em 1964, quando tinha 18 anos, pedindo aos militares
que derrubassem o governo do presidente João Goulart. Cabe a Dirceu
provar que não foi o chefe do chamado mensalão.

Imagem: dreamstime/Flynt 

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